PGR defende que MP pode pedir extrajudicialmente para provedor de Internet preservar prova digital
O procurador-geral da República, Augusto Aras, enviou memorial aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) no qual defende a possibilidade de o Ministério Público requerer diretamente aos provedores de Internet a preservação de provas digitais por eles armazenadas, sem a necessidade de ordem judicial. No documento, ele sustenta que o tema deve ser apreciado pelo Plenário do STF, possibilitando o amplo debate entre os ministros, dada a importância da medida para o andamento das investigações. Isso porque é cada vez mais comum o uso de comunicações no meio virtual - como e-mails, aplicativos de mensagens e documentos em nuvem - para a prática de crimes.
Segundo o PGR, o pedido extrajudicial do Ministério Público para a simples guarda dos chamados registros telemáticos - sem acesso ao conteúdo - encontra respaldo na Constituição Federal, na Lei Complementar 75/1993, que disciplina o funcionamento do MP, bem como no Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) e na Convenção de Budapeste sobre Crimes Cibernéticos. O Marco Civil da Internet, por exemplo, já prevê que os provedores são obrigados a guardar cópias dos registros de conexão por um ano, e os de aplicação, pelo prazo de seis meses.
Em ambos os casos, a lei determina que esse período pode ser ampliado a pedido do Ministério Público, da Polícia ou de autoridade administrativa, conforme pontua o procurador-geral na ação. Essa obrigação de manter os registros, segundo Aras, inclui qualquer tipo de informação envolvendo pacotes de dados, incluindo conteúdo, origem e destino da mensagem, conforme previsto na própria legislação. A medida busca garantir a preservação do conteúdo digital - para evitar que informações sejam apagadas pelo investigado - enquanto a Justiça analisa o pedido de quebra de sigilo, necessário para que os dados sejam repassados ao órgão de investigação.
Aras frisa no documento que esse tipo de solicitação feita diretamente pelo Ministério Público aos provedores de acesso e aplicações de Internet garante o exercício da função constitucional do órgão. “Condicionar à prévia autorização judicial a simples preservação do conteúdo ilícito propagado na Internet é incompatível com a efemeridade característica das evidências digitais”, afirma. Para o PGR, exigir que somente por meio de autorização da Justiça os provedores da Internet guardem os dados telemáticos dos seus usuários inviabilizaria até mesmo o armazenamento em nuvem, tendo em vista que não poderiam ser criadas cópias de segurança pelos próprios provedores.
Prevalecendo esse entendimento, segundo Aras, “corre-se o risco de comprometer, por exemplo, investigações envolvendo pornografia infantil, atentados contra o Estado Democrático de Direito e fraudes eletrônicas”. Em nota técnica, a Polícia Federal também alertou que se o STF entender pela necessidade de ordem judicial prévia para a preservação desse tipo de prova digital, diversas investigações em curso no órgão podem ser anuladas, com “alta probabilidade de produzir efeitos catastróficos”.
Julgamento - O tema é discutido em habeas corpus que trata de um pedido extrajudicial, feito em 2019 pelo MP do Paraná à Apple Computer Brasil e ao Google do Brasil para obter a identificação das contas de uma investigada. No requerimento feito diretamente às empresas, o órgão acusador solicitou apenas a preservação dos dados coletados a partir das contas de usuários vinculados, como dados cadastrais, histórico de pesquisa, o conteúdo de e-mails e mensagens, fotos, contatos e histórico de localização. No pedido, não foi solicitado acesso ao conteúdo dos dados.
Como o processo está em discussão na 2ª Turma do STF, o PGR reitera o pedido para que o exame da matéria seja feito pelo Plenário físico ou virtual da Corte, com a participação de todos os 11 ministros. Para Aras, a relevância do tema em discussão para todo o sistema de investigação criminal brasileiro “sinaliza a necessidade de se realizar debate aprofundado sobre a legitimidade do pedido de preservação de conteúdo armazenado nas plataformas provedoras de aplicações de Internet”.
Em abril, o procurador-geral já havia requerido a transferência do julgamento para o Plenário do STF, ao salientar que será a primeira vez que o Supremo vai estabelecer um precedente sobre os procedimentos a serem adotados para obtenção de prova digital. Caso o pedido não seja aceito, tendo em vista a relevância do tema, Aras requer que a análise do processo seja feita em sessão presencial da 2ª Turma e não na modalidade virtual, como tem ocorrido.
No Plenário Virtual da 2ª Turma, no período de 7 a 17 de abril, o relator do caso, ministro Ricardo Lewandowski, votou no sentido de exigir autorização judicial prévia ao pedido de preservação dos dados. O julgamento, no entanto, foi suspenso com o pedido de vista do ministro André Mendonça. A análise do caso será retomada na próxima sessão virtual do colegiado, agendada para o período de 8 a 15 de setembro.
Ausência de prejuízo – Na manifestação, o PGR sustenta, ainda, que o pedido feito pelo Ministério Público ou pela polícia para que os provedores preservem os dados telemáticos não causa prejuízo algum aos investigados, visto que não gera bloqueio de acesso às contas ou informações, ao contrário do que sustentou o relator na decisão. Tanto que, no caso concreto analisado pelo STF, a investigada não conseguiu demonstrar como a solicitação para preservação de provas feita pelo Ministério Público a teria prejudicado.
Além disso, tampouco ficou comprovado no processo que as informações armazenadas pela Apple do Brasil e repassadas ao Ministério Público, após autorização judicial, tenham decorrido do pedido de armazenamento feito pelo órgão investigador diretamente à empresa. Isso porque a resposta foi enviada ao Ministério Público somente após decisão da Justiça autorizando a quebra do sigilo.
O MP pediu extrajudicialmente à Apple do Brasil a preservação das provas digitais envolvendo a investigada em 22 de novembro de 2019 e, no dia 29 daquele mesmo mês, requereu à Justiça a quebra dos dados telemáticos. A decisão judicial saiu em 3 de dezembro de 2019 e a Apple só encaminhou resposta ao MP três semanas após a ordem.“Está ausente, portanto, o nexo de causalidade entre as solicitações extrajudiciais do Ministério Público e a suposta indisponibilidade dos dados dos investigados”, aponta um dos trechos do memorial enviado ao STF.
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