PGR defende repercussão geral no envio direto ao MP de dados obtidos pela Receita em caso de indícios da prática de crimes não tributários
O procurador-geral da República, Augusto Aras, encaminhou, nessa segunda-feira (29), petição ao Supremo Tribunal Federal (STF) defendendo o reconhecimento da repercussão geral de matéria referente à submissão de dados sigilosos da Receita Federal ao Ministério Público sem prévia autorização judicial. De autoria do MP Federal, o Recurso Extraordinário (RE) 1.436.448 trata da possibilidade de o Fisco encaminhar, antes da conclusão do processo administrativo tributário, a representação fiscal para fins de investigações penais diretamente ao MP, e compartilhar informações sigilosas que deem indícios da prática de outros crimes que não os tributários. Para Aras, a questão é de interesse público e apresenta conflito entre normas constitucionais.
No documento, o PGR requer ao ministro Edson Fachin, relator do recurso, que o submeta à apreciação do Plenário Virtual para que seja analisada a repercussão geral do tema. Aras avalia que a matéria, além de transcender o interesse das partes, envolve múltiplos casos e a colisão entre a inviolabilidade dos dados bancários e fiscais e o dever de punição do Estado como garantia da proteção dos bens jurídicos. “Inexiste amparo constitucional e legal para condicionar, quando identificados indícios da prática de crimes não tributários, o encaminhamento desses elementos informativos ao Parquet após o exaurimento do procedimento administrativo fiscal”, pontuou.
Para o procurador-geral, o procedimento de compartilhamento de dados viabilizado por meio da representação fiscal ao MP não é o mesmo que quebra de sigilo. “Há, na verdade, transferência de informações sigilosas entre órgãos que têm, respectivamente, o dever legal de guardar sob sigilo os dados fiscais de contribuintes e de zelar pela correta apuração de ilícitos penais, sob pena de responsabilização nas esferas cível, administrativa e penal”. Entendimento contrário, no ponto de vista de Aras, pode gerar obstáculos à atuação do Estado no sentido de velar pelo cumprimento das obrigações tributárias e pelo combate à criminalidade.
Controvérsia – O recurso extraordinário tem como pano de fundo a anulação de uma prova que motivou a instauração de inquérito policial, após o compartilhamento de informações entre a Receita Federal e o Ministério Público de Santa Catarina sem a prévia autorização da Justiça. O pedido de habeas corpus foi impetrado sob o fundamento de afronta à inviolabilidade da intimidade e do sigilo bancário e fiscal dos envolvidos prevista na Constituição. O HC foi negado na segunda instância e seguiu para o Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Na Corte Superior, o caso tomou outro rumo. Um dos argumentos utilizados pela Quinta Turma para a anulação da prova foi a necessidade de prévia constituição definitiva de crédito tributário – ou seja, a efetiva confirmação do delito tributário – para que o Fisco pudesse encaminhar ao MPF os dados protegidos por sigilo fiscal. Segundo o órgão ministerial, ao caso não poderia ter sido aplicada a tese do Tema 990, uma vez que o repasse de informações ocorreu antes da conclusão da investigação tributária.
A interposição de recurso extraordinário pelo MPF baseia-se em alegada ofensa à Constituição e às decisões do STF no Tema 990 – que somente ressalta a necessidade de se manter resguardado o sigilo das informações – assim como de outros julgados. O órgão apontou que a comunicação de crime contra a Administração Pública pela autoridade fiscal “independe do término do procedimento administrativo” e que, diante da ocorrência de crimes de outra natureza, ela tem obrigação legal de acionar o Ministério Público.
Esse entendimento foi reafirmado por Augusto Aras. Para ele, uma vez que o Supremo admitiu a possibilidade da transferência de informações pela Receita, sem autorização judicial, quando amparada em razões fundamentadas que indiquem a prática de crime tributário, esses mesmos fundamentos serão aplicados aos casos em que houver indícios da prática de outros crimes. “Ao reconhecer a repercussão geral da matéria, a Suprema Corte conferirá segurança jurídica em relação à aplicação de seus próprios precedentes, alinhando-se com as metas de construir instituições eficazes, responsáveis e transparentes em todos os níveis”, finaliza Aras.
Íntegra da PET no RE 1.436.448
https://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr2/2023/pgr-defende-repercussao-geral-no-envio-direto-ao-mp-de-dados-obtidos-pela-receita-em-caso-de-indicios-da-pratica-de-crimes-nao-tributarios