Direitos Humanos
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12/05/2025

Além da questão racial: Ministério Público aborda combate a todas as formas de discriminação a partir do 13 de maio

O dia 13 de maio, data que marca a assinatura da Lei Áurea em 1888 e o fim formal da escravidão no Brasil, é um convite à reflexão sobre a longa e ainda inacabada jornada pela igualdade. O Ministério Público do Tocantins (MPTO) ressalta que a data transcende a simples comemoração, sendo essecial para analisar o legado da escravidão e sua conexão com as diversas formas de discriminação presentes na sociedade atual.


A Lei Áurea foi um passo histórico, mas insuficiente. Como explica o promotor de Justiça Lucas Abreu Maciel, não houve, àquela época, qualquer política pública de inclusão social ou econômica. “Os milhões de recém-libertos ficaram sem terra, sem educação formal, sem acesso a trabalho digno. A maioria foi condenada à marginalização, perpetuando ciclos de pobreza e exclusão”, contextualiza. Essa realidade deu origem ao conceito de "abolição inacabada" e ao que hoje se compreende como “racismo estrutural": um sistema de práticas, leis e mentalidades que, muitas vezes de forma silenciosa, perpetua a desvantagem racial.


O assunto foi tema do programa Cidadania em Foco, veiculado na rádio UFT FM e também disponível no Spotify. Clique aqui e ouça. 


Racismo estrutural e outras discriminações

A lógica da escravidão, baseada na desumanização e na hierarquização de grupos, infelizmente, não ficou restrita à questão racial. “Essa mentalidade transbordou para outras formas de opressão, como o machismo, a homofobia, a transfobia, o capacitismo (discriminação contra pessoas com deficiência) e a xenofobia (preconceito contra estrangeiros)”, aponta Maciel.


Nesse sentido, o promotor lembra as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), que equipararam a homofobia e a transfobia ao crime de racismo (Lei nº 7.716/89). “O STF reconheceu a omissão do Congresso em legislar sobre o tema e entendeu que a LGBTQIA+fobia também é uma forma de discriminação estrutural, que atinge um grupo vulnerável de forma coletiva, de modo similar ao racismo”, explica. 


Ele detalha que essa discriminação estrutural se reflete, por exemplo, em “índices elevados de violência contra essa população, maior dificuldade de acesso ao trabalho, maior grau de evasão escolar e exclusão de espaços de poder”.


Atuação do Ministério Público

Conforme a Constituição Federal (art. 127), o Ministério Público tem a missão de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis, como a dignidade humana e a igualdade.


O MPTO atua em várias frentes contra a discriminação. “Na esfera criminal, promovemos a persecução penal de crimes, como racismo, injúria racial ou outras injúrias discriminatórias, e crimes de ódio, incluindo os motivados por LGBTQIA+fobia, aplicando a Lei de Racismo conforme decisão do STF”, detalha Maciel.


“Na esfera cível e extrajudicial”, continua o promotor, “fiscalizamos políticas públicas de inclusão, como a implementação de cotas raciais e a garantia de acessibilidade para pessoas com deficiência. Também combatemos a chamada discriminação indireta, que é aquela que decorre de regras aparentemente neutras, mas que na prática geram impacto desproporcional contra um grupo. Um exemplo é a imposição de Testes de Aptidão Física (TAF) excessivamente rigorosos em concursos públicos, sem justificativa adequada para o cargo, que podem excluir indevidamente pessoas com deficiência plenamente aptas a exercer a função”. O MPTO pode expedir recomendações a órgãos públicos e privados e, se necessário, ajuizar ações civis públicas para corrigir práticas discriminatórias.


Crimes de discriminação racial no Tocantins

Apesar dos avanços legais e institucionais, os dados de ocorrências policiais no Tocantins reforçam que os crimes motivados por preconceito racial continuam a ser uma realidade. Em 2024, foram registrados 84 boletins de ocorrência por injúria racial e 37 por racismo em todo o estado. Os números mostram uma leve queda em relação a 2023, que teve 89 registros de injúria racial e 32 de racismo, mas permanecem em patamares preocupantes.


No acumulado de 2025 até 8 de maio, já foram lavrados 24 boletins de ocorrência por injúria racial e 14 por racismo, o que indica uma possível manutenção do cenário atual, caso a tendência de crescimento proporcional se confirme até o fim do ano.


A injúria racial, embora ainda seja o crime mais recorrente entre os motivados por preconceito, passou a receber tratamento mais severo desde a Lei 14.532/2023, que aumentou a pena pelo cometimento deste delito. Isso evidencia o reconhecimento da gravidade dessa forma de violência e a necessidade de coibi-la com maior rigor.


“Além de refletirem a presença persistente do racismo estrutural, vale ressaltar que os dados mostram que muitas das discriminações deixam de ser registradas, seja por medo, vergonha ou desconhecimento sobre os canais de denúncia. O enfrentamento desse tipo de crime exige, portanto, tanto o fortalecimento institucional quanto o engajamento social para estimular a denúncia, a responsabilização e a construção de uma cultura de respeito e igualdade”, ponderou o promotor de Justiça.


Responsabilidade coletiva e canais de denúncia

O combate à discriminação, contudo, não é tarefa apenas das instituições. “A mudança começa com a consciência individual”, afirma Maciel. “Todos nós temos a responsabilidade de não naturalizar piadas ofensivas, estereótipos e comentários discriminatórios. É preciso ouvir ativamente as pessoas dos grupos marginalizados, reconhecer privilégios e ser um aliado na promoção de oportunidades iguais”.


Para quem for vítima ou testemunha de qualquer ato de discriminação, é fundamental não se calar e buscar ajuda, reunindo o máximo de provas possível (fotos, mensagens, nomes de testemunhas). Os canais disponíveis incluem:


- Polícia civil: registrar boletim de ocorrência (presencialmente ou pela delegacia virtual, quando aplicável).

- Disque 100 (Disque Direitos Humanos): canal nacional, gratuito e anônimo para denúncias de violações de direitos humanos.

- Defensoria Pública: para assistência jurídica gratuita à população de baixa renda.

- Órgãos específicos: como delegacias especializadas (ex: Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher - DEAM).


Contribuição social

“Cada denúncia contribui para que nossa sociedade avance no sentido da justiça e da igualdade, responsabilizando aqueles que cometem atos discriminatórios”, finaliza o promotor. O Ministério Público do Tocantins também está à disposição por meio de seus canais de atendimento: 127, telefone da Ouvidoria; www.mpto.mp.br e pelo aplicativo MPTO Cidadão.


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