Projeto do MPTO que atua na reeducação de acusados de violência doméstica já recebeu mais de 50 homens
“A gente vem de uma cultura racista. Além de racista, machista. Eu fui criado assim. Presenciei meu pai agredindo minha mãe. Ele chegava alcoolizado e batia nela, sem motivos, por situações banais. Às vezes, uma palavra que ela dizia gerava uma agressão. Convivi com isso dentro de casa por bastante tempo. E quando você vive com essa realidade, acaba assimilando como se fosse normal. E não é”.
O relato é de um homem que agrediu a esposa e participou do projeto “Desconstruindo o Mito de Amélia”, uma iniciativa do Ministério Público do Tocantins (MPTO) que tem objetivo de reabilitar acusados de violência doméstica.
De acordo com o entrevistado – que terá sua identidade preservada – o projeto o ajudou “a enxergar” a companheira “da forma que ela deve ser realmente vista”, ou seja, livre de quaisquer tipos de agressão.
“Tenho convicção de que o indivíduo que participa desse projeto muda completamente seu comportamento. Aqui você passa por uma ‘ressocialização’. É uma transformação da percepção de vida. Tudo passa a ser diferente em relação à companheira. Estou muito feliz de ter participado e que isso tenha acontecido na minha vida”, relatou.
Assim como ele, o “Desconstruindo o Mito de Amélia” vem conscientizando, há mais de dois anos, vários outros homens. O projeto é uma ação desenvolvida pelo Núcleo Maria da Penha, coordenado pela promotora de Justiça Isabelle Rocha Valença Figueiredo. O projeto foi viabilizado por meio de um acordo de cooperação técnica celebrado com o Tribunal de Justiça do Tocantins (TJTO) em março de 2019.
Desde que foi concebido, em 2020, o projeto já atendeu 53 homens, tendo sido interrompido no ano de 2021, em virtude da pandemia.
Conforme a promotora de Justiça Isabelle Figueiredo, o índice de reincidência é de menos de 5%. “Além das medidas de proteção às mulheres vítimas de violência, o sistema de Justiça precisa, e deve, sempre ter um olhar diferenciado para trabalhar a prevenção da reincidência deste tipo de crime. É uma demanda necessária, urgente e extremamente importante. Quando há conscientização e o trabalho deste tipo de projeto é bem feito, evitamos que o caso de violência se repita”, afirmou a promotora de Justiça.
Os homens atendidos são encaminhados ao Ministério Público, por meio do Tribunal de Justiça. Na instituição, eles passam por uma equipe multidisciplinar, composta por psicólogos, assistentes sociais e pedagogos, e como recompensa, recebem benefícios judiciais.
Legislação
Mecanismos de prevenção da violência doméstica e a reeducação dos agressores estão previstos no art. 35, V, e art. 45 da Lei n. 11.340/2006, que ficou conhecida como Lei Maria da Penha.