Webinário realizado pelo MPTO, UFT e Coeqto destaca a luta e desafios na titulação dos territórios quilombolas no Tocantins
Em um webinário realizado na quarta-feira, 25, o debate sobre a demarcação de territórios quilombolas no Tocantins trouxe à tona a urgência e os desafios enfrentados por essas comunidades em sua luta por direitos e reconhecimento. O evento, promovido pela Escola Superior do Ministério Público do Tocantins, em parceria com a Universidade Federal do Tocantins (UFT) e a Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Tocantins (Coeqto), reuniu especialistas, representantes de comunidades e membros do Ministério Público do Tocantins e Federal para discutir a situação fundiária e os conflitos territoriais que afetam os quilombolas no estado.
O webinário foi aberto pelo diretor da Escola Superior, procurador de Justiça Miguel Batista de Siqueira Filho, que destacou o objetivo de aproximar a universidade e a pesquisa da comunidade, dando voz para que se tornem autoras de suas próprias histórias.
O coordenador de doutorado em gestão de políticas públicas da UFT, Airton Cardoso Cançado, explicou que o webinário é uma atividade do projeto de extensão, de mesmo nome, que tem o objetivo de promover um debate público e interdisciplinar sobre a demarcação de territórios quilombolas no Tocantins.
O idealizador do projeto de extensão e membro da comissão organizadora, Leandro Silva, trouxe dados sobre o assunto, informando que o Tocantins possui 54 comunidades quilombolas certificadas, com 39 procedimentos de regularização fundiária junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). No entanto, um aspecto preocupante revelado é que nenhuma comunidade alcançou a fase final de titulação, e apenas uma está na fase 10 do processo.
A voz dos quilombos: histórias de luta e resistência
A gravidade da situação foi evidenciada pelos relatos emocionados de Rita Lopes do Santos, presidente da Associação Quilombola Rio Preto, e Domingos Rodrigues da Silva, presidente da Associação Quilombola da Barra da Aroeira.
Rita narrou a história de mais de 100 anos do Quilombo Rio Preto, no município de Lagoa do Tocantins, que obteve a certificação da Fundação Palmares em 2023. No entanto, a comunidade tem sido alvo de intensa violência nos últimos dois anos, com queima de casas, ameaças e a presença de milicianos armados. Rita, inclusive, está sob programa federal de proteção a Defensores dos Direitos Humanos. Ela frisou que o artigo 68 da Constituição Federal garante o direito à titulação e criticou a morosidade do processo, que viola continuamente os direitos da comunidade. A falta de titulação, segundo ela, resultou no fechamento da escola em 2019 e no esvaziamento de outros serviços públicos, além de prejudicar a conexão vital da comunidade com seu território. Rita também salientou que as comunidades quilombolas são espaços de resistência contra a colonialidade e atuam como barreiras contra o desmatamento conduzido pelo agronegócio.
Domingos e Jezuila Rodrigues detalharam a saga do Quilombo Barra da Aroeira, reconhecido em 2006. A comunidade, que historicamente possuía 12 léguas de terra doadas a um antepassado, hoje luta pelo reconhecimento de 62.000 hectares, mas apenas uma pequena área de 915 hectares foi titulada em 2021. Domingos chocou os participantes ao relatar a destruição do cemitério da comunidade, que ficou fora da área titulada e foi alvo de máquinas de produtores de soja, que removeram os restos mortais dos ancestrais sem consentimento. Segundo eles, a luta pela titulação tem sido marcada por conflitos, o que impõe a necessidade de mobilizações e até intervenção do poder público.
Caminhos burocráticos e entraves da titulação
O antropólogo e chefe da divisão de territórios quilombolas do Incra Tocantins, Herbert Levy, apresentou dados sobre a política nacional quilombola. No Brasil, existem 1986 processos de regularização fundiária abertos, com 59 territórios titulados (25 totalmente e 38 parcialmente). No Tocantins, são 38 processos abertos envolvendo cerca de 45 comunidades. Para este ano, o Incra prevê 30 ações envolvendo 15 comunidades, incluindo o início do trabalho de campo no Quilombo Rio Preto em julho. Levy destacou a complexidade do processo de regularização, que depende de recursos orçamentários e enfrenta a redução do quadro de servidores do Incra, embora um novo concurso público esteja em andamento.
O procurador da República Álvaro Lotufo Manzano, em mensagem gravada, reforçou o apoio do Ministério Público Federal (MPF) às comunidades quilombolas, destacando o papel da Constituição de 1988 e do Decreto n. 4887 na garantia da titulação. Ele detalhou o longo processo de identificação e delimitação territorial, que inclui o autorreconhecimento das comunidades, registro na Fundação Palmares e o trabalho do Incra na elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID). Manzano ressaltou que, apesar de muitas ações civis públicas ajuizadas pelo MPF contra a União e o Incra para cobrar a conclusão dos processos, a resistência política e do agronegócio continua a dificultar a alocação de recursos e o avanço das titulações.
Um dos pontos mais críticos do debate foi levantado pelo professor antropôlogo da UFT Dr. Heber Rogerio Gracio, que apontou a indenização das propriedades incidentes nos quilombos como o "calcanhar de aquiles" da regularização. Ao contrário da legislação indígena, onde títulos em terras indígenas são nulos, no caso quilombola, a área só é liberada após a indenização plena dos proprietários, o que representa um grande problema devido à insuficiência de recursos.
Desdobramentos
O webinário foi concluído com agradecimentos e a reafirmação do compromisso do Ministério Público do Tocantins, da UFT e da Coeqto em continuar a luta pela efetivação dos direitos das comunidades quilombolas no estado. A gravação do evento ficará disponível para acesso público no link a seguir: https://www.youtube.com/live/SWux-e9erKc.
Como desdobramento do webinário, serão produzidos dois materiais pedagógicos: um podcast a partir das discussões e um guia norteador com informações práticas e jurídicas sobre o processo de demarcação. Ambos os produtos visam apoiar a formação cidadã, ampliar a mobilização social e subsidiar ações institucionais para garantir os direitos territoriais quilombolas.
Texto: Shara Alves de Oliveira/ Cesaf-ESMP