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O que está por trás da PEC 37?

Atualizado em 10/06/2013 11:48

Artigo do Procurador de Justiça Clenan Renaut de Melo Pereira, publicado na edição deste sábado, 8, do Jornal do Tocantins.


A PEC 37 representa a constitucionalização da impunidade, através de expressa determinação da Lei Maior, que fulminará, de vez, toda e qualquer possibilidade de o Ministério Público promover uma investigação criminal. Tal Emenda, que tramita no Congresso Nacional, por sinal já aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal, e prestes a ser votada pelo plenário da Casa do Povo, é uma ideia iluminada de um Deputado e Delegado de Polícia do Maranhão. O poder investigatório do Ministério Público Brasileiro é uma pedra no calcanhar de uma significativa parcela de políticos corruptos (a maioria é honrada) que, valendo-se das benesses concedidas pelo cargo, está sempre de olho na barganha, na negociata, para se locupletar do erário.


Para se ter uma noção de como o Ministério Público incomoda, hoje mais de cem deputados e senadores estão sendo processados pelo Ministério Público Federal. Mais de trezentos deputados são investigados pelo Supremo Tribunal Federal. Dentre entre eles está um entusiasta da proposta, o Deputado Federal Paulo Salim Maluf, que por sinal foi preso por corrupção e lavagem de dinheiro. Nos diversos Estados brasileiros, são milhares de ações aforadas contra maus gestores e dilapidadores do patrimônio público. No Tocantins, nos últimos quatro anos, foram mais de oitenta prefeitos denunciados, dezenove foram afastados dos cargos e três foram parar na cadeia.


Então, a proposta é emendar a Constituição Federal. Acrescentar-lhe o décimo parágrafo ao seu artigo 144, onde constará que a apuração das infrações penais é exclusiva atribuição das Polícias Federal e Civis dos Estados e do Distrito Federal. Isto é, só os Delegados de Polícia poderão fazê-lo. O Ministério Público estará proibido de participar de qualquer ato ou procedimento que tenha a conotação de investigação criminal. Não poderá investigar crimes contra a ordem política, econômica e social. Ficará refém do inquérito policial, feito na Delegacia.


Esse monopólio não é bom. Só interessa aos criminosos de colarinho branco e ao crime organizado, porquanto as polícias não darão conta de investigar tantos crimes que afloram dia a dia. Atualmente, no país, apenas oito por cento dos homicídios são investigados pela polícia. De cem inquéritos policiais instaurados, somente oito são elucidativos. Oitenta por cento são arquivados por insuficiência de provas.


Isto acontece não porque a polícia seja apática ou conivente. A maior parte dos Delegados é laboriosa e competente. A Polícia Civil é dinâmica. A Polícia Federal tem um trabalho elogiável. Mas a falta de estrutura, de pessoal e de apoio logístico dificulta, sobremaneira, a constituição de provas eficazes. O sistema de segurança pública brasileiro é arcaico, apodrecido. Encontra-se em estado de falência. Então, como se obterá êxito sem a união de esforços dos órgãos corresponsáveis pela segurança pública no combate à violência que tanto aflige e amedronta a sociedade?


As investigações realizadas pela polícia têm endereço certo: o Ministério Público. É ele, e somente ele, quem promove a ação penal. Só o Ministério Público tem autorização legal para dar início a um processo criminal. Como o MP vai denunciar alguém quando os autos de inquéritos são falhos, sem o mínimo suporte probatório? Se não puder, subsidiariamente, investigar, para se convencer da existência da materialidade, e pelo menos do indício da autoria, todo o trabalho da polícia, que é destinado ao Ministério Público, será inócuo. Fadado, portanto, ao arquivamento. Tempo perdido, dinheiro público no lixo.


Se o MP pode o mais, isto é, promover a ação penal, por que não pode o menos, que é investigar? O MP não quer comandar o inquérito policial. Essa atribuição é do Delegado de Polícia, que o preside. Quer, sim, participar de uma investigação supletiva, concorrente, sem interferência ou menosprezo ao operoso trabalho policial. Quer uma investigação complementar, quando necessário, para se inteirar dos fatos, em busca da verdade real.


O Ministério Público, em 1988, entre tantas outras conquistas, recebeu a importante e intrépida missão de investigar. O Supremo Tribunal Federal, guardião da Magna Carta Brasileira, em diversos pronunciamentos, chancelou de constitucional essa prerrogativa. Agora querem amordaçá-lo. Isso é prejudicial à república, pois enquanto deputados e delegados brigam pela autoridade soberana sobre as diligências investigatórias, o crime se organiza, faz alianças, cria espaços, conquista territórios e os corruptos se regozijam com a iminente vitória e a espetacular derrota da democracia.


Mas não é só a PEC 37. O furacão contra o MP sopra seus ventos para todos os lados. Élio Gaspari em sua coluna de domingo, 2 de junho, comentou: Há mais iniciativas parlamentares e administrativas querendo limitar a atividade do Ministério Público do que projetos tratando do combate a malária. Nenhum deles se destina a inibir os malfeitores. A Câmara poderá votar um projeto que tolhe a iniciativa do Ministério Público e da Receita Federal de iniciar processos em defesa do patrimônio da Viúva. Outro projeto veda ao MP a capacidade de responsabilizar agentes públicos por negligência, além de dificultar o congelamento dos bens de malfeitores. Querem impedir os promotores de processar por improbidade administrativa prefeitos, deputados e secretários estaduais. É como o MP fosse uma espécie de inimigo comum. De quem?


A resposta é simples: de quem não o conhece, ou de quem o conhece muito bem.