Fome em debate: Congresso de Segurança Alimentar e Nutricional de Palmas foca em governança, políticas e populações vulneráveis
O 1º Congresso de Segurança Alimentar e Nutricional de Palmas, promovido pelo Ministério Público do Tocantins (MPTO), dedicou a última quinta-feira, 9, a painéis importantes sobre governança, cooperação interinstitucional e o combate à fome. Com o tema "Pela Garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada", o evento reuniu membros do sistema de justiça, acadêmicos e a sociedade civil para buscar o fortalecimento das políticas públicas locais.
Idealizado pelo promotor de Justiça Paulo Alexandre Rodrigues de Siqueira, que também atuou como debatedor, o congresso focou nos desafios de Palmas, que ainda enfrenta a insegurança alimentar, especialmente entre as populações mais vulneráveis.
Governança e fortalecimento do Sisan em foco
O primeiro painel da quinta-feira abordou a "Governança Participativa e Fortalecimento do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan)." A discussão contou com a participação da professora doutora da Universidade Federal do Tocantins (UFT) e membro do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável (Consea), Eloise Schott, e da secretária extraordinária de Combate à Pobreza e à Fome do MDS, mestre Valéria Torres Amaral Burity.
A professora Eloise Schott detalhou que o Sisan é uma estrutura integrada que tem como objetivo garantir o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) para toda a população, responsável por promover a articulação entre governo e sociedade civil na formulação, integração e monitoramento de políticas públicas. A governança participativa é essencial para fortalecer o Sisan, pois assegura a articulação intersetorial entre diferentes áreas, confere legitimidade e maior alcance às ações, além de aprimorar o acompanhamento e a avaliação das políticas. “Para Palmas, essa governança é particularmente importante, sendo fundamental para a construção do 1º Plano Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional e para o status do município como prioritário na Estratégia Alimenta Cidades”.
Valéria Burity enfatizou o histórico do Sisan, que surgiu para substituir um modelo fragmentado e emergencial de combate à fome por um sistema estruturante, intersetorial e participativo. Os princípios do Sisan incluem a integração entre setores como agricultura, saúde e educação, além da governança democrática, com a participação da sociedade civil e o fortalecimento de estados e municípios. O Sisan é um sistema que articula governo e sociedade civil para formular e implementar políticas, planos e ações que visam assegurar o DHAA.
A secretária do MDS também apresentou dados otimistas, mostrando que a retomada das atividades do Sisan em 2023 já se reflete em indicadores positivos. O país assistiu à retirada de 24,4 milhões de pessoas da fome e uma redução significativa no percentual de domicílios em Insegurança Alimentar Grave, caindo de 15,5% para 4,1%. O Plano Brasil Sem Fome tem como objetivo principal tirar o país do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) da ONU, além de reduzir as taxas de pobreza.
No Tocantins, o Sisan tem avançado, com 57 dos 139 municípios atingidos até setembro de 2025, o que representa 40% de cobertura e um crescimento de mais de três vezes nas adesões desde 2022.
A urgência da cooperação e as políticas em Palmas
O segundo painel, sobre "Cooperação Interinstitucional para Garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada," teve como painelistas a procuradora de Justiça, mestre Vera Nilva Álvares Rocha Lira, e a superintendente de Proteção Social Especial da Secretaria de Assistência Social do Município de Palmas, mestre Marlucy Ramos Albuquerque Carmo.
A procuradora de Justiça Vera Nilva reforçou o status do DHAA, lembrando que a alimentação é um direito fundamental do ser humano, inerente à dignidade da pessoa humana, e que a Segurança Alimentar e Nutricional garante o acesso regular e permanente a alimentos de qualidade e em quantidade suficiente, respeitando a diversidade cultural e a sustentabilidade. Ela destacou a atuação do Ministério Público, que, por meio da Recomendação nº 97/2023 do CNMP, orienta a articulação com poderes públicos e sociedade civil para a adesão ao Sisan.
A superintendente Marlucy Carmo detalhou a integração da Segurança Alimentar e Nutricional no Sistema Único de Assistência Social (SUAS) de Palmas. Embora o SUAS não seja o responsável direto pela execução da política de SAN, ele articula esforços para a garantia do DHAA. O SUAS de Palmas utiliza sua rede de proteção, composta por sete Centros de Referência em Assistência Social (CRAS), dois Centros de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) e 4 unidades de acolhimento para combater a pobreza e a fome.
Marlucy destacou ações como a oferta de alimentação nos espaços da assistência social e a busca ativa da população em situação de rua pelo Creas para acesso à alimentação gratuita nos dois Restaurantes Comunitários da capital. Somente de junho a agosto de 2025, os restaurantes, que são unidades do Sisan, ofereceram 186.702 refeições, com capacidade diária para 4 mil. Além disso, o município inovou na concessão de benefícios eventuais de alimentação, permitindo que sejam concedidos em dinheiro, oferecendo maior autonomia aos usuários.
O terceiro painel, “Políticas Públicas Intersetoriais para Garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada”, foi mediado pela defensora pública e coordenadora do Núcleo Especializado de Defesa dos Direitos Humanos, da Defensoria Pública do Tocantins, doutora Franciana Di Fátima Cardoso, e contou com a participação da professora doutora da UFT Kênia Lima de Araújo.
A professora destacou que a plena operacionalização da Política Nacional de Alimentação e Nutrição enfrenta desafios significativos, como evidenciado pelo cenário de gestão no Tocantins. Além disso, não podemos ignorar o grave contexto socioambiental do Cerrado/Matopiba, onde a expansão do agronegócio impulsiona o desmatamento e a apropriação de terras, ameaçando não apenas a soberania alimentar das comunidades tradicionais, mas a sustentabilidade de todo o sistema alimentar", enfatizou.
Vulnerabilidade e desafios locais
O quarto painel, "Garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada para Populações Vulneráveis e Combate às Desigualdades", trouxe à luz os dados de insegurança alimentar no município e as propostas para o futuro.
O secretário executivo da Caisan de Palmas, Felipe Barbosa Coelho, apresentou um panorama elucidativo: apesar do Tocantins ter o segundo maior índice de segurança alimentar nas regiões Norte e Nordeste (71,1% dos domicílios), Palmas ainda enfrenta grandes desafios.
“Cerca de 70% das famílias atendidas nos Cras estão em situação de insegurança alimentar, sendo 33% em Insegurança Alimentar Grave e 34% em Insegurança Alimentar Moderada”, informou.
Minorias vulneráveis
Entre as populações mais vulneráveis em nível nacional e local, destacam-se as mulheres pretas e pardas, especialmente mães solo; famílias com crianças; agricultores familiares; indígenas e quilombolas; e a população em situação de rua. Mulheres pretas ou pardas que chefiam domicílios têm quase três vezes mais chances de estar em insegurança alimentar grave do que homens brancos.
O painelista ressaltou que, entre os desafios de Palmas, estão o orçamento municipal insuficiente para a assistência social e segurança alimentar (apenas R$ 16 milhões de um total de R$ 1 bilhão) e a ausência de um Plano Municipal de Segurança Alimentar (Plansan) formal e estruturado.
Já o secretário Municipal de Igualdade Racial, doutor José Eduardo Azevedo, ressaltou a conexão direta entre o período pós-escravidão e a atual insegurança alimentar da população negra. Ele apontou a falha histórica na criação de políticas públicas que apoiem a produção e o acesso à alimentação própria. O secretário concluiu reforçando a urgência de implementar ações que garantam a Segurança Alimentar e Nutricional para todos, promovendo a equidade e eliminando as desigualdades raciais e de gênero no acesso a esse direito fundamental.
Encaminhamentos
Como proposta, o congresso busca a criação do Plano Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional, a ser elaborado com participação social, a ampliação do orçamento para as políticas de Segurança Alimentar e Nutricional, o fortalecimento do Sisan municipal e a expansão de hortas comunitárias e programas de educação alimentar e nutricional.
O congresso segue até esta sexta-feira com a meta de elaborar uma "Carta de Palmas", um documento que irá consolidar as propostas e compromissos para garantir que o direito humano à alimentação adequada se torne uma realidade para todos os cidadãos de Palmas.
Texto: Shara Alves de Oliveira/ Cesaf-ESMP