CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DA INFÂNCIA, JUVENTUDE E EDUCAÇÃO - CAOPIJE
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13/10/2016

Nota Técnica - Destinação de Bens e Valores ao Fundo da Infância e Juventude

Como é cediço, a destinação de valores referentes a bens de titularidade desconhecida, ou cuja perda haja sido decretada, apreendidos em ocorrências vinculadas a processos de apuração de atos Infracionais ou quaisquer outros da competência da Justiça Especializada da Infância e da Juventude é um assunto de extrema importância que exige um olhar mais acurado desta Vara. O art. 91 do Código Penal, estabelece dentre os efeitos da condenação, a perda, em favor da União, dos objetos do crime ou seus instrumentos, desde que constituam ilícito o fabrico, alienação, uso ou detenção destes. Entretanto, como é cediço, crianças ou adolescentes não praticam crimes, e sim atos infracionais, os quais são insuscetíveis de condenação, levando à aplicação de medidas protetivas ou sócio-educativas. Conquanto haja grande número de coincidências procedimentais e similitudes que espelham paralelos entre os sistemas jurídicos penal e juvenil, há diferenciação fundamental na abordagem, que decorre dos Princípios estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), de acordo com o art. 227 da Constituição Federal, tidos crianças e adolescentes como pessoas em desenvolvimento.

A relevância desta análise consiste no fato de que, em se tratando de valores apreendidos, e sem titularidade, ou cuja perda haja sido decretada, em procedimentos afetos exclusivamente à competência jurisdicional das Varas da Infância e da Juventude, não faz qualquer sentido dirigi-los a outro fundo que não da Infância e Juventude, a teor do que dispõe art. 88, IV, da Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente). A legislação especial prevalece sobre a geral, não se devendo aplicar a regra do parágrafo único do art. 133 do Código de Processo Penal que prevê a perda dos valores relativos a produtos ou objetos de crime em favor do Tesouro Nacional.

À falta de previsões específicas na Lei Federal de nº 8.242/91 (que criou o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e o Fundo Nacional para a Criança e o Adolescente), em seu art. 6º, e na Lei Estadual n. 1110/99 (que criou o Fundo Estadual da Criança e do Adolescente), resulta que o mais adequado, seguindo-se a diretiva de municipalização do atendimento à Infância e da Juventude, ditada pelo inciso I do art. 88 do ECA, é que tais valores sejam dirigidos aos Fundos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente (FDCA) de cada cidade onde teve origem a tramitação processual. Caso típico no cotidiano das Varas da Infância e da Juventude é a apreensão de motocicletas, ou outros veículos automotores, na posse de adolescentes que praticam atos infracionais equivalentes a delitos de trânsito, em especial condução sem habilitação. Em determinados casos, o proprietário é conhecido, e pode ser autorizada a devolução. Noutros, o veículo tem numeração do chassi raspada, ou adulterada, não sendo viável a identificação do dono.

 O que nos interessa aqui é que o Código de Trânsito Brasileiro, em seu art. 328, estabelece: Art. 328. O veículo apreendido ou removido a qualquer título e não reclamado por seu proprietário dentro do prazo de sessenta dias, contado da data de recolhimento, será avaliado e levado a leilão, a ser realizado preferencialmente por meio eletrônico. § 1º Publicado o edital do leilão, a preparação poderá ser iniciada após trinta dias, contados da data de recolhimento do veículo, o qual será classificado em duas categorias: I – conservado, quando apresenta condições de segurança para trafegar; e II – SUCATA, quando não está apto a trafegar. § 2º Se não houver oferta igual ou superior ao valor da avaliação, o lote será incluído no leilão seguinte, quando será arrematado pelo maior lance, desde que por valor não inferior a cinquenta por cento do avaliado. § 3º Mesmo classificado como conservado, o veículo que for levado a leilão por duas vezes e não for arrematado será leiloado como sucata.

§ 4O É VEDADO O RETORNO DO VEÍCULO LEILOADO COMO SUCATA À CIRCULAÇÃO. § 5o A cobrança das despesas com estada no depósito será limitada ao prazo de seis meses. § 6o Os valores arrecadados em leilão deverão ser utilizados para custeio da realização do leilão, dividindo-se os custos entre os veículos arrematados, proporcionalmente ao valor da arrematação, e destinando-se os valores remanescentes, na seguinte ordem, para: I – as despesas com remoção e estada; II – os tributos vinculados ao veículo, na forma do § 10; III – os credores trabalhistas, tributários e titulares de crédito com garantia real, segundo a ordem de preferência estabelecida no art. 186 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional); IV – as multas devidas ao órgão ou à entidade responsável pelo leilão; V – as demais multas devidas aos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Trânsito, segundo a ordem cronológica; e VI – os demais créditos, segundo a ordem de preferência legal. § 7o Sendo insuficiente o valor arrecadado para quitar os débitos incidentes sobre o veículo, a situação será comunicada aos credores.

§ 8o Os órgãos públicos responsáveis serão comunicados do leilão previamente para que formalizem a desvinculação dos ônus incidentes sobre o veículo no prazo máximo de dez dias. § 9o Os débitos incidentes sobre o veículo antes da alienação administrativa ficam dele automaticamente desvinculados, sem prejuízo da cobrança contra o proprietário anterior. § 10. Aplica-se o disposto no § 9 o inclusive ao débito relativo a tributo cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil, a posse, a circulação ou o licenciamento de veículo.

§ 11. Na hipótese de o antigo proprietário reaver o veículo, por qualquer meio, os débitos serão novamente vinculados ao bem, aplicando-se, nesse caso, o disposto nos §§ 1o , 2o e 3o do art. 271. § 12. Quitados os débitos, o saldo remanescente será depositado em conta específica do órgão responsável pela realização do leilão e ficará à disposição do antigo proprietário, devendo ser expedida notificação a ele, no máximo em trinta dias após a realização do leilão, para o levantamento do valor no prazo de cinco anos, após os quais o valor será transferido, definitivamente, para o fundo a que se refere o parágrafo único do art. 320. § 13. Aplica-se o disposto neste artigo, no que couber, ao animal recolhido, a qualquer título, e não reclamado por seu proprietário no prazo de sessenta dias, a contar da data de recolhimento, conforme regulamentação do CONTRAN. § 14. Não se aplica o disposto neste artigo ao veículo recolhido a depósito por ordem judicial ou ao que esteja à disposição de autoridade policial. Os veículos sinistrados com perda total, irrecuperáveis, desmontados de forma definitiva, ou os que serão vendidos como sucata, devem ter providenciada pela autoridade de trânsito a baixa no registro de veículos (Resolução 11/98 do CONTRAN).

No caso de veículos apreendidos em procedimentos vinculados a ações que tramitem perante o Judiciário, a venda em leilão, pela autoridade de trânsito, depende de comunicação do Juiz sobre o término da pendência judicial (parágrafo único do art. 3o da Resolução n.o 178/05, do CONTRAN). Estabelece ainda a Resolução 178/05 do CONTRAN, em seu art. 13, § 1o, que, uma vez realizada a venda, e abatidos os valores referentes a tributos, multas e despesas, será dividido o saldo remanescente , quando houver, entre os órgãos e entidades que tiverem créditos sobre o veículo, desde que se habilitem, obedecida a ordem cronológica da habilitação. Daí a importância de que, uma vez verificada a existência de veículo de titularidade desconhecida em procedimento afeto à jurisdição da Infância e da Juventude , em relação ao qual não seja necessária a manutenção para realização de prova, seja expedido ofício à autoridade de trânsito autorizando a alienação, nos termos do art. 328 do Código Nacional de Trânsito, Resoluções 11/98 e 178/05 do CONTRAN, servindo como habilitação para o pagamento do saldo remanescente em favor do FIA. Quanto mais precoce a detecção desta situação, com a adoção destas providências, maior o benefício em favor da Infância e da Juventude, já que o saldo reduz-se na medida em que aumenta o valor das multas e despesas, notadamente a de permanência no pátio.

Calha frisar que os veículos com baixa não podem mais circular, sendo certo que o veículo em questão foi flagrado em plena circulação. Observe o que diz a Resolução 11/1998 do DENATRAN: Art. 1º. A baixa do registro de veículos é obrigatória sempre que o veículo for retirado de circulação nas seguintes possibilidades: I – veículo irrecuperável; II – veículo definitivamente desmontado; III – sinistrado com laudo de perda total; IV – vendidos ou leiloados como sucata. § 1º. Os documentos dos veículos a que se refere este artigo, bem como as partes do chassi que contém o registro VIN e suas placas, serão obrigatoriamente recolhidos aos órgãos responsáveis por sua baixa. § 2º. Os procedimentos previstos neste artigo deverão ser efetivados antes da venda do veículo ou sua destinação final. § 3º. Os órgãos responsáveis pela baixa do registro dos veículos deverão reter sua documentação e destruir as partes do chassi que contém o registro VIN e suas placas. Art. 2º. A baixa do registro do veículo somente será autorizada mediante quitação de débitos fiscais e de multas de trânsito e ambientais, vinculadas ao veículo, independentemente da responsabilidade pelas infrações cometidas. Art. 3º. O órgão de trânsito responsável pela baixa do registro do veículo emitirá uma Certidão de Baixa de Veículo, no modelo estabelecido pelo anexo I desta Resolução – datilografado ou impresso, após cumpridas estas disposições e as demais da legislação vigente.

Parágrafo Único. Caberá ao órgão previsto neste artigo a elaboração e encaminhamento ao Departamento Nacional de Trânsito – DENATRAN de relatório mensal contendo a identificação de todos os veículos que tiveram a baixa de seu registro no período. Art. 4º. Uma vez efetuada a baixa, sob nenhuma hipótese o veículo poderá voltar à circulação. Art. 5º. A baixa do registro do veículo será providenciada mediante requisição do responsável e laudo pericial confirmando a sua condição.

Art. 6º. O responsável de promover a baixa do registro de veículo terá o prazo de quinze dias, após a constatação da sua condição através de laudo, para providenciá-la, caso contrário incorrerá nas sanções previstas pelo art. 240 do Código de Trânsito Brasileiro. Parágrafo Único. Finalizado o prazo previsto neste artigo, inicia-se um novo prazo com a mesma duração, sujeito a nova sanção.


CONCLUSÃO

Diante do exposto, reiterando que em se tratando de valores apreendidos, e sem titularidade, ou cuja perda haja sido decretada, em procedimentos afetos exclusivamente à competência jurisdicional das Varas da Infância e da Juventude, não faz qualquer sentido dirigi-los a outro fundo que não da Infância e Juventude, eis a presente Nota Técnica, que deverá subsidiar a atuação dos Membros do Ministério Publico Tocantinense em sua atuação, evidentemente, sem caráter cogente, com a finalidade de garantir a destinação adequada de recursos ao Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente, dos Municípios que compõem cada Comarca.


Palmas, 03 de outubro de 2016.

SIDNEY FIORI JÚNIOR

Promotor de Justiça Coordenador do CAOPIJ